terça-feira, março 31, 2009

13 de Janeiro de 1930

Os olhos do meu cão enternecem-me. Em que rosto humano, num outro mundo, vi eu já estes olhos de veludo doirado, de cantos ligeiramente macerados, com este mesmo olhar pueril e grave, entre interrogativo e ansioso?


(Florbela Espanca, Diário do seu último ano de vida)

sexta-feira, março 20, 2009

12 de Janeiro de 1930


Viver não é parar: é continuamente renascer. As cinzas não aquecem; as águas estagnadas cheiram mal. Bela! Bela!, não vale recordar o passado! O que tu foste, só tu o sabes: uma corajosa rapariga sempre sincera para consigo mesma.
E consola-te que esse pouco já é alguma coisa.
Lembra-te que detestas os truques e os prestidigitadores. Não há na tua vida um só acto covarde, pois não? Então o que mais queres num mundo em que toda a gente o é… mais ou menos? Honesta sem preconceitos, amorosa sem luxúria, casta sem formalidades, recta sem princípios e sempre viva, a palpitar de seiva quente como as flores selvagens da tua bárbara charneca!


(Florbela Espanca, Diário do seu último ano de vida)

quinta-feira, março 05, 2009

Oração de São Francisco de Assis

Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor;
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão;
Onde houver discórdia, que eu leve a união;
Onde houver dúvida, que eu leve a fé;
Onde houver erro, que eu leve a verdade;
Onde houver desespero, que eu leve a esperança;
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria;
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
Ó Mestre, Fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois, é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna.

Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

(Florbela Espanca)

Anseios


Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quirneras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!...

Não 'stendas tuas asas para o longe..
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela,a soluçar...

(Florbela Espanca)

Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu es já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."

(Florbela Espanca)

Languidez


Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...


(Florbela Espanca)
Aqueles que me têm muito amor
Não sabem o que sinto e o que sou...
Não sabem que passou, um dia, a Dor
À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,
Este frio que anda em mim, e que gelou
O que de bom me deu Nosso Senhor!
Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos de Dor, essa cadência
Que é já tortura infinda, que é demência!
Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,
A mesma angústia funda, sem remédio,
Andando atrás de mim, sem me largar!


(Florbela Espanca)

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Valho mais do que nada. Apenas isso.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Manteve o seu amor por ele tão vivo como no Verão em que se conheceram pela primeira vez. para o conseguir, virou as costas à vida. Às vezes subsiste durante dias a água e oxigénio. Sendo a única forma de vida complexa conhecida a fazê-lo, o seu nome devia ter designado uma nova espécie. Uma vez o tio Julian explicou-me que o pintor e escultor Alberto Giacometti disse um dia que para pintar uma simples cabeça é preciso renunciar ao resto do corpo. Para pintar uma folha, é preciso sacrificar o resto da paisagem. A princípio pode parecer que uma pessoa se está a limitar, mas ao fim de algum tempo damo-nos conta de que tendo meio centímetro de alguma coisa temos mais chances de preservar um certo sentimento do universo do que se pretendermos fazer o céu inteiro.

A minha mãe não escolheu uma folha nem uma cabeça. Escolheu o meu pai, e para preservar um certo sentimento, decidiu sacrificar o mundo.

(em "a história do amor", Nicole Krauss)

sábado, fevereiro 07, 2009

Se tu fosses uma estrela ia ter contigo ao céu.

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

...rir como para não me esquecer que estou sozinho...

(em "a história do amor", Nicole Krauss)
Entornaram-me o cabaz
Quando eu vinha pela estrada.
Como ele estava vazio,
Não houve louça quebrada.

(Fernando Pessoa, Quadras)

sexta-feira, janeiro 30, 2009

Conversas de café

Nem sempre as conversas de café são da treta. Por vezes, uma conversa da treta, meia dúzia de merdas ditas sem grande propósito, mas que disparam boca fora depois de alguns copos bebidos, pode suscitar um mote para boa conversa e reflexão:

Imaginemos que nos propomos a percorrer um labirinto. Isto significa que a cada passo teremos que tomar decisões, todas elas com um objectivo comum: encontrar o arco-íris.
Porém não há como saber se a melhor opção para se atingir o fim será seguir em frente, virar à esquerda ou à direita. Mas seja qual for a escolha, nunca nada está perdido pois a cada passo se estende um novo caminho.
Contudo, à medida que o tempo passa, podemos começar a questionar o conceito arco-íris e a necessidade e o valor da conquista em função de efemeridade do momento da chegada à meta e, por fim, não sentir que o desafio vale a pena. É a isto que chamo desmotivação, sendo labirinto sinónimo de vida.


Resta saber se nos propusemos efectivamente ao desafio da vida…

sexta-feira, janeiro 23, 2009

As merdas

Chegam todas as manhãs, assim que abro os olhos ainda na cama. Mas, muitas vezes, passam comigo a noite e tornam-na memorável.
Acompanham-me talvez desde sempre e, embora me queira livrar delas, já não saberia ser sem elas.

As minhas merdas e eu própria não é a mesma coisa. As minhas merdas são a minhas merdas.

Invadem-me o eu sem pré-aviso e aí se deixam ficar horas e dias a fio, se assim o entenderem, forçando o meu eu a um estado de embriaguez e êxtase, abandonando-o exausto sem quaisquer culpas.

Agora, um “agora” infinitamente grande negativo (já não me recordo como era antes dele), nos períodos de ausência das merdas, o meu eu continua embriagado e exausto. É por isso que me dizem que pareço andar sempre bêbeda. São as merdas as culpadas, não eu.

Exposto isto parece que o meu eu, no agora, é as minhas merdas. Mas não. O meu eu, ainda enxerga a sua sombra para além delas (não sei por quanto tempo mais).

Mas efim, provavelmente uma e outra virão a tornar-se numa só. Não sei se o mereço.

terça-feira, janeiro 13, 2009

Quando o dia cai, a noite o beija e lhe diz ao ouvido:
'Sou tua mãe a morte, e te hei-de dar nova vida'.

(Rabindranath Tagore)

Se não falas

Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.

A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.

Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.

(Rabindranath Tagore)

segunda-feira, janeiro 05, 2009

I Will Survive

Gloria Gaynor
Composição: Belzunces


At first I was afraid
I was petrified
I kept thinking I could never live without you
By my side
But then I spent so many nights
Just thinking how you've done me wrong
I grew strong
And I learned how to get along
And so you're back
From outer space
I just walked in to find you
Here with that sad look upon your face
I should have changed my fucking lock
I would have made you leave your key
If I had known for just one second
You'd be back to bother me
o now go,
Walk out the door
Just turn around
Now, you're not welcome anymore
Weren't you the one
Who tried to break me with desire?
Did you think I'd crumble?
Did you think I'd lay down and die?
Oh no not I,
I will survive
Yeah
As Long as I know how to love,
I know I'll be alive
I've got all my life to live
I've got all my love to give
I will survive,
I will survive
Yeah, yeah

It took all the strength I had
Just not to fall apart
I'm trying hard to mend the pieces
Of my broken heart
And I spent oh so many nights
Just feeling sorry for myself
I used to cry,
But now I hold my head up high
And you see me
With somebody new
I'm not that stupid little person
Still in love with you
And so you thought you'd just drop by
And you expect me to be free
But now I'm saving all my lovin'
For someone whose lovin' me
Well now go,
Walk out the door
Just turn around
Now, you're not welcome anymore
Weren't you the one
Who tried to break me with desire?
Did you think I'd crumble?
Did you think I'd lay down and die?
Oh not I,
I will survive
Yeah
As long as I know how to love,
I know I'll be alive
I've got all my life to live
I've got all my love to give
I will survive,
I will survive
Yeah, yeah
Oh no

I will survive - Gloria Gaynor